terça-feira, 1 de dezembro de 2009

BAARÌA – Giuseppe Tornatore


Fui ver a abertura da “V Semana Veneza de Cinema”, que conta com a seleção de obras italianas exibidas na 66ª Mostra Internacional de Cinema de Veneza, e o filme de abertura era esta película que aparenta ser uma autobiografia do diretor siciliano.


Nem me lembrava mais de “Cinema Paradiso” - o filme que projetou internacionalmente o cineasta, a não ser reminiscências da música, da poesia inocente, as peraltices do protagonista infantil, e o onipresente lirismo da cinematografia italiana; e todos estes elementos estéticos estão também em BAARÌA, com o grave porém de que agora Tornatore não é mais um quase iniciante que fez um eficiente filme dramático quase artesanal e que agradou a academia de Hollywood, não. Desta vez ele fez um filmão tipo blockbuster, mas absolutamente esquecível, comum, descartável.

Percebe-se claramente que dinheiro não faltou, a produção é luxuosa, e os atores deve ser o melhor que a Itália tem atualmente, pois todos, incluindo naturalmente as crianças, são ótimos. E com a exceção de 2 ou 3 cenas hilárias, onde a veia cômica dos atores se expressa magistralmente, o filme é uma chatice muito bem fotografada, com um excesso de musiquetas melosas que cansa os ouvidos de qualquer um, com cenas de melodrama típica de novela colombiana, ou até pior. Se não, vejamos…

O filme inicia com uma rápida sucessão de seqüências num vilarejo perdido numa região agrária da Itália, posteriormente saberemos ser a cidade natal do diretor, Bagheria. Estas seqüências são um misto de piada, demonstração da exploração social da classe trabalhadora, aspectos políticos e culturais do período fascista e muitas cenas escatológicas, nas quais eu destaco a que um homem ergue uma pesada viga de ferro nos dentes, e a grotesca comilança de um sanduíche, no qual um adulto enfia goela abaixo a baguete na boca de uma criança… para quem acha que isso é tudo deve preparar o estômago, pois mais na frente vai ocorrer coisa pior.

E o que falar das cenas de Plano Geral onde o povo aparece quase sempre correndo ou reunido num comício político? Todas cansativas desde o primeiro take, nenhuma se impõe necessária à narrativa, mesmo aquela em que ocorre porque os americanos chegaram na cidade e os poderes constituídos foram depostos, gerando uma onda de saques ao dito “patrimônio público” de Bagheria, é visivelmente dispensável, mesmo havendo uma piadinha no término, que nos faz sentir muita pena a utilização grandiosa de recursos para provocar algo menor que cócegas.

O ponto central é que o filme não tem uma linha narrativa definida, tem um protagonista mas não tem força dramática, não sabe se quer fazer-nos chorar ou sorrir (se tentou fazer as duas coisas ao mesmo tempo fracassou), e as cenas líricas são no mínimo clichê, clichê para quem sabe o mínimo de cinema italiano, onde sempre aparece as crianças deslumbradas com sua imaginação fértil, as agruras juvenis com os adultos da famíglia, as aventuras sexuais ingênuas da juventude, a máfia, a beleza apesar da pobreza… ora, já vimos tudo isso em Fellini, em Ettore Scola, em Rosselini, e até no dublê de ator Roberto Benigni.

Mas o pior de tudo é a pretensão política do diretor, querendo nos mostrar didaticamente que devemos participar da vida pública, exigir direitos, o cumprimento da lei, ir a luta, etc. Há uma seqüência das mais estapafúrdias e desacreditada que eu já vi em toda a minha vida de de observador eventual do cinema mundial, na qual o pai do protagonista no leito de morte balbucia suas últimas palavras enquanto espera a chegada do filho que está numa desapropriação de terra a lá MST: “A política é bela”, “a política é bela”… juro que eu esperava que o Roberto Benigni iria irromper a cena gritando “sim, é bela! A vida é bela! A Política é bela! O Belusconi é belo! Belíssimo!…” O diretor esqueceu o senso do ridículo.

Boa parte do filme é ocupada em mostrara as agruras de um camponês no seu processo de ascensão no partido comunista, este é o único fio condutor perceptível na história, e esta trajetória já pouco discernível é constantemente interrompida pra se mostrar uma piadinha (apenas 2 cenas me fizeram rir, incluindo a magistral tentativa de suicídio do irmão do protagonista), uma ceninha lírica, uma referência às crenças italianas que muito se assemelha às crendices de nós brasileiros, e assim o filme ocupa duas horas e meia enfadonhas, apesar da vibração.

Isso mesmo, o filme é vibrante, você quase acredita que está diante de mais uma produção hollywoodiana de ação, daquelas que tiros e explosões só cessam pra mostrar a bandeira estadunidense. Tem muita música, panorâmicas, Planos Gerais, gente correndo pra lá e pra cá, isso tudo é cinética, não é ação dramática, é movimento, não é emoção. Tornatore pisou na bola, gastou um dinheirão pra mostrar apenas que agora tem acesso a uma verba na qual ele usaria melhor se recriasse uma versão underground de “Cinema Paradiso”. Pelo menos teríamos a chance de rever algo que narrativamente funcionou, e não esta tentativa de expurgar traumas do passado através de uma cinebiografia exageradamente romanceada e ególatra.


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