terça-feira, 6 de outubro de 2009

MICROCONTO sobre canção de Caetano Veloso



"Antes Assim do Que Viver Pequeno e Bom"

Nasce mais um desvalido nesta favela de convalescidos, economicamente todos perdidos, o que lhe restou de oportunidade foi o assalto, o roubo, a mediocridade e o infortúnio… o infortúnio de escolher logo eu, cantor popular renomado e admirado, sensível e um pouco mimado, extravagante mas sempre preocupado, atento às condições sociais do populacho, que diferente de mim não teve chances de se redimir, por isso veio até aqui, apontou a arma e sentenciou: perdeu! 
“Antes assim do que viver pequeno e bom”, diz ele com o treizoitão apontado pra minha testa, e eu cá comigo lembrando que aqui não é o Haiti. E se um dia ele fosse ver o Oludum na festa do pelô… E se um dia ele visitasse a casa de Jorge Amado… Não, ele não tem acesso, ele é um excluído, ele foi preterido, suas condições socioeconômicas são incompatíveis com a exigência educacional que precisa de alguém relativamente com bagagem cultural pra freqüentar o ambiente escolar e aprovado for por decorar ou colar na prova ótimo, passou, passar bem, nada mais. Ou se então excesso de auto-constrangimento do espírito pra se submeter e aprender o que os outros consideram o certo e o errado, sempre mostrando que o lado dele é o errado, a cor dele é errada, e que pessoas de sua raça – os pretos e os quase pretos que lotam os presídios, tem um papel social a cumprir de faxineiro à segurança, de vigia a trabalhador doméstico do lar doce lar do senhorzinho… ta bom, passar bem então. foi aí que eu entendi a sua exclamação: “Antes assim do que viver pequeno e bom”.
E a ele eu indaguei se conhecia o planeta Terra nas suas mais deslumbrantes erupções telúricas, perguntei-lhe sobre os leõezinhos – tão bonitinhos entrando no mato, e sua juba, perguntei-lhe sob os cachos das acácias e ele balbuciou, e também balançou, balançou a cabeça reclamando tonteira por ouvir tanta asneira vinda de uma pessoa só. Exigiu o dinheiro e que durante a ação eu ficasse calado, pois ele tem o estômago sensível e aquele papo é por demais desagradável. Eu, no orgulho fora metralhado, por aquelas palavras sinceras de um favelado, que diante de mim queria apenas uns trocados, pra poder ter o pão do dia e o crack pra curtir um “barato”, um barato que vai sair caro, pois ele vai morrer e todos vão esquecer de suas soberanas palavras ditas de espontâneo alto e bom som: “Antes assim do que viver pequeno e bom”.
E pouco antes dele partir tive a pretensão de lhe atingir, de súbito algo relembrei, uma estrofe funesta que um dia criei, elaborada sem pretensões revolucionárias, apenas uma insinuação bombástica, eu não apenas falei, eu gritei: GENTE NASCEU PARA BRILHAR!