segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

MONTAGEM PARA O GÊNERO DE DIÁLOGO



Partindo da perspectiva de Sergei Eisenstein de que a montagem “é uma propriedade orgânica de todas as artes”, podemos encontrar essa característica de edição de diálogo já na literatura, e por conseguinte nos textos onde o diálogo tem uma presença mais preponderante, como é o caso da dramaturgia, o texto teatral. Não é por acaso que os primeiros filmes da historia do cinema é considerado por historiadores como uma espécie de teatro filmado, e também não nos surpreende que o ilusionista Georges Méliès seja um dos precursores da 7ª arte, que alem de usar inventivos efeitos fotográficos para criar mundos fantásticos, manipulava a edição de forma a induzir diálogos, mas diálogos teatrais, tanto que na hora da fala ele “cortava” para um PG (Plano Geral) como que tentando simular uma perspectiva de alguém que estivesse numa platéia de casa de espetáculos.

A influência do teatro na montagem durou até o momento que europeus e americanos perceberam o quanto poderia ser feito com a montagem para reduzir o tempo de projeção de uma cena – diminuindo custos de produção, acelerar a narrativa, iludir o telespectador na relação tempo fílmico e tempo real, e – principalmente para os artistas, estabelecer novas estéticas a partir da manipulação, ordenação e tempo de exposição dos quadros para os vários entendimentos que isso poderia provocar no público de cinema, que logo – a partir da repetição de procedimentos, se “educou” e assimilou a nova maneira de assistir um filme, no qual a edição ficou quase invisível em algumas ocasiões, e totalmente explícita em outros casos (a
Montagem Paralela de Eisenstein e a estripulia de Acossados são bons exemplos deste “exibicionismo técnico”). A criação dessa linguagem relegou ao diálogo um papel fundamental para o tipo de gênero de filme que o artista ou/e o produtor escolhesse realizar. Ao observar obras do gênero drama podemos observar a predominância do diálogo em todo o escopo do filme, tanto mais se o mesmo for de realizadores oriundos do mundo teatral, como é o caso de Ingmar Bergman, onde a predominância de temas existencialistas em sua obra levou a caracterizar o diálogo um elemento crucial de sua obra. Mas a edição dos diálogos nos filmes do grande realizador sueco é algo tão maçante que chega a jogar contra a obra, tornando elemento quase sem função, pois através do mecanismo Bergman não acelera nem torna mais lenta os momentos de diálogo do filme, pois o realizador trata estes momentos de maneira quase a tentar simular a interação que ocorre num palco de teatro. O contrário está evidente nas obras onde a literatura contemporânea, é a base do filme ou inspiração para a realização audiovisual.


Dentre os realizadores contemporâneos onde o diálogo está demasiadamente estilizado – ao contrario de Ingmar Bergman, destaca-se
Quentin Tarantino, principalmente em seu Pulp Fiction, não por acaso obra baseada em literatura dita “barata”, “popular”, típica da Indústria Cultural de Massa. Nesse filme o cineasta americano abusa de posicionamentos de câmara não-convencional para apresentar um diálogo, como na cena em que a câmera se localiza dentro do porta-malas de um carro enquanto os protagonistas do filme conversam e carregam suas armas. No transcorrer desta seqüência veremos o uso estilizado da edição nos diálogos, principalmente na seqüência dentro do elevador quando não há cortes, mas a câmara “vira” para o personagem no qual a fala é esperada e fica suspensa até o enquadramento. Depois temos um grande plano seqüência no caminhar dos mafiosos pelos corredores do prédio – que irá funcionar de forma oposta a cena seguinte dentro do AP, e no momento que eles estão de frente da porta do AP. Toda essa seqüência segue o mesmo raciocínio, o mesmo discurso, aliás, uma discussão sobre hambúrguer de queijo, acho que da Holanda, etc. O diretor escolhe várias maneiras de cortar o diálogo em conformidade com os ambientes nos quais os mafiosos vão passando, mudando a maneira que o diálogo é apresentado em conformidade ao ambiente, ambiente este que mudará o diálogo ao adentrar no AP onde haverá o grande ápice da seqüência, com as mortes. Nesta cena os diálogos são cortados não conforme as interrupções das falas por aqueles que estão em posição de vantagem, o que seria algo lógico; mas a edição segue o discurso predominante, principalmente no momento do sermão da personagem Jules Winnfield, mantendo-se estático em toda a fala da personagem, interrompido apenas pelos tiros do parceiro mafioso.


A edição é um recurso da linguagem cinematográfica que se realiza no diálogo de forma distinta em gêneros de filme obviamente distintos, e isso sem dúvida fica claro em obras de cineastas tão discrepantes como o clássico Ingmar Bergman e o “modernoso” Quentin Tarantino. Ou seja: a edição do diálogo – como toda a forma que circunda o conteúdo de um filme, depende da linha mestra narrativa da obra, que irá determinar o seu parâmetro de funcionamento. Na arte do cinema todos os elementos estéticos estão subordinados à narrativa, e as narrativas se diferenciam conforme seus gêneros. É claro que existe realizadores no qual seu grande fetiche é se ocupar da estética, talvez porque ainda não perceberam que o cinema é o mais sofisticado espaço de contação de historia
(storytelling) que temos – no qual literatura e teatro o antecederam, e não do exibicionismo de funcionalidades técnicas de como funciona a máquina de captar e projetar imagens numa seqüência que crie a ilusão de movimento para o olho humano.



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