segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

MARIA ANGULA

No ano de 2002 participei da oficina “Cinema Trash 2”, ministrada pelo jornalista, pesquisador e crítico cinematográfico Sérgio Moriconi. Foram discutidos a História deste suposto gênero cinematográfico, visto muitos filmes que se enquadrariam na seara (“A Volta dos Mortos Vivos”, “Fome Animal”…) e se discutido bastante o motivo daqueles cineastas fazerem aquilo, se era algo proposital ou se era resultado de desleixo estético, má formação profissional, ou a tão proeminente falta de recursos materiais e humanos que tanto assola todos nós. Pois bem: espontaneamente algumas pessoas começaram a cogitar que poderíamos com poucos recursos fazermos filmes semelhantes àquelas “porcarias” que víamos no projetor do Teatro de Bolso do Espaço Cultural da 508 Sul. E mais: poderíamos fazer o filme com uma câmara digital simples que algum aluno de nossa turma nos emprestaria, e tendo como atores as próprias pessoas do curso. E foi o que ocorreu. Dividimo-nos em 3 grupos, cada um apresentou seu roteiro em sala de aula. Eu mesmo fiquei responsável em adaptar um conto popular (ou seria uma lenda urbana?) que nos remetia aquela velha história da mulher misteriosa do cemitério que na verdade era uma alma penada ou algo mais ou menos assim… o título era “Maria Angula”. Gravamos em dois finais de semana – sem dúvida nenhuma os dias mais relevantes para mim naquele modorrento 2002 – e com muita dificuldade conseguimos editar o conteúdo, e colocamos em uma fita cassete VHS.


O grande desalento de toda esta peripécia é constatar que o filme jamais veremos outra vez, visto que a fita se perdeu, principalmente porque na época não havia nenhum YOUTUBE ou outro site do gênero, apesar de já haver internet a algum tempo. Não podendo postar e deixar armazenado nossa obra coletiva, acabamos tendo um pouco aquele sentimento de frustração, que certamente deve ter desanimado muitos de nós, jovens que por ventura gostariam de fazer cinema, e certamente gostariam de ter aquele material, nem que fosse para ser analisado por alguém que levasse em conta mais o potencial do que o resultado final alcançado. Eu mesmo só voltei a filmar 3 anos depois, nesta época até pensei vagamente que nunca mais faria CINEMA.


O incidente que fez o filme – que no caso era uma fita VHS, desaparecer foi muito pitoresco. A fita na qual o conteúdo final fora armazenado após a edição já havia sido usada (sim, levamos até as ultimas conseqüências uma das premissas do gênero: produção tosca e rebuscada, beirando e caindo no mais puro e autêntico desleixo). Um dos atores se prontificou a passar para uma fita virgem o material (será que iria fazer alguma diferença na qualidade de imagem e som este “procedimento tecnológico”?). este ator interpretara o coveiro da produção, e era o responsável pelo fio da narrativa, a única lógica perceptível naquela sucessão de situações irreais, fantasmagóricas e descabidas. Para o nosso infortúnio o ator reclamara que não havia ficado “muito bem”, que tinha tido uma performance sofrível, etc. Ora, este era o espírito da coisa, não havia – pelo menos para mim, nenhum motivo de se sentir menos por está interpretando mal num filme trash, afinal de contas este é um dos pilares do gênero, as interpretações sofríveis estão para o cinema trash assim como as explosões estão para os filmes de ação. Mas para o nosso ator – que na verdade era um pintor, isso deve ter deixado grilado, tanto que a fita chegou as mãos dele, e com ele era desapareceu, para todo o sempre.


É, a vaidade sim é que é trash.



terça-feira, 1 de dezembro de 2009

BAARÌA – Giuseppe Tornatore


Fui ver a abertura da “V Semana Veneza de Cinema”, que conta com a seleção de obras italianas exibidas na 66ª Mostra Internacional de Cinema de Veneza, e o filme de abertura era esta película que aparenta ser uma autobiografia do diretor siciliano.


Nem me lembrava mais de “Cinema Paradiso” - o filme que projetou internacionalmente o cineasta, a não ser reminiscências da música, da poesia inocente, as peraltices do protagonista infantil, e o onipresente lirismo da cinematografia italiana; e todos estes elementos estéticos estão também em BAARÌA, com o grave porém de que agora Tornatore não é mais um quase iniciante que fez um eficiente filme dramático quase artesanal e que agradou a academia de Hollywood, não. Desta vez ele fez um filmão tipo blockbuster, mas absolutamente esquecível, comum, descartável.

Percebe-se claramente que dinheiro não faltou, a produção é luxuosa, e os atores deve ser o melhor que a Itália tem atualmente, pois todos, incluindo naturalmente as crianças, são ótimos. E com a exceção de 2 ou 3 cenas hilárias, onde a veia cômica dos atores se expressa magistralmente, o filme é uma chatice muito bem fotografada, com um excesso de musiquetas melosas que cansa os ouvidos de qualquer um, com cenas de melodrama típica de novela colombiana, ou até pior. Se não, vejamos…

O filme inicia com uma rápida sucessão de seqüências num vilarejo perdido numa região agrária da Itália, posteriormente saberemos ser a cidade natal do diretor, Bagheria. Estas seqüências são um misto de piada, demonstração da exploração social da classe trabalhadora, aspectos políticos e culturais do período fascista e muitas cenas escatológicas, nas quais eu destaco a que um homem ergue uma pesada viga de ferro nos dentes, e a grotesca comilança de um sanduíche, no qual um adulto enfia goela abaixo a baguete na boca de uma criança… para quem acha que isso é tudo deve preparar o estômago, pois mais na frente vai ocorrer coisa pior.

E o que falar das cenas de Plano Geral onde o povo aparece quase sempre correndo ou reunido num comício político? Todas cansativas desde o primeiro take, nenhuma se impõe necessária à narrativa, mesmo aquela em que ocorre porque os americanos chegaram na cidade e os poderes constituídos foram depostos, gerando uma onda de saques ao dito “patrimônio público” de Bagheria, é visivelmente dispensável, mesmo havendo uma piadinha no término, que nos faz sentir muita pena a utilização grandiosa de recursos para provocar algo menor que cócegas.

O ponto central é que o filme não tem uma linha narrativa definida, tem um protagonista mas não tem força dramática, não sabe se quer fazer-nos chorar ou sorrir (se tentou fazer as duas coisas ao mesmo tempo fracassou), e as cenas líricas são no mínimo clichê, clichê para quem sabe o mínimo de cinema italiano, onde sempre aparece as crianças deslumbradas com sua imaginação fértil, as agruras juvenis com os adultos da famíglia, as aventuras sexuais ingênuas da juventude, a máfia, a beleza apesar da pobreza… ora, já vimos tudo isso em Fellini, em Ettore Scola, em Rosselini, e até no dublê de ator Roberto Benigni.

Mas o pior de tudo é a pretensão política do diretor, querendo nos mostrar didaticamente que devemos participar da vida pública, exigir direitos, o cumprimento da lei, ir a luta, etc. Há uma seqüência das mais estapafúrdias e desacreditada que eu já vi em toda a minha vida de de observador eventual do cinema mundial, na qual o pai do protagonista no leito de morte balbucia suas últimas palavras enquanto espera a chegada do filho que está numa desapropriação de terra a lá MST: “A política é bela”, “a política é bela”… juro que eu esperava que o Roberto Benigni iria irromper a cena gritando “sim, é bela! A vida é bela! A Política é bela! O Belusconi é belo! Belíssimo!…” O diretor esqueceu o senso do ridículo.

Boa parte do filme é ocupada em mostrara as agruras de um camponês no seu processo de ascensão no partido comunista, este é o único fio condutor perceptível na história, e esta trajetória já pouco discernível é constantemente interrompida pra se mostrar uma piadinha (apenas 2 cenas me fizeram rir, incluindo a magistral tentativa de suicídio do irmão do protagonista), uma ceninha lírica, uma referência às crenças italianas que muito se assemelha às crendices de nós brasileiros, e assim o filme ocupa duas horas e meia enfadonhas, apesar da vibração.

Isso mesmo, o filme é vibrante, você quase acredita que está diante de mais uma produção hollywoodiana de ação, daquelas que tiros e explosões só cessam pra mostrar a bandeira estadunidense. Tem muita música, panorâmicas, Planos Gerais, gente correndo pra lá e pra cá, isso tudo é cinética, não é ação dramática, é movimento, não é emoção. Tornatore pisou na bola, gastou um dinheirão pra mostrar apenas que agora tem acesso a uma verba na qual ele usaria melhor se recriasse uma versão underground de “Cinema Paradiso”. Pelo menos teríamos a chance de rever algo que narrativamente funcionou, e não esta tentativa de expurgar traumas do passado através de uma cinebiografia exageradamente romanceada e ególatra.