terça-feira, 20 de abril de 2010

ANÁLISE SOCIOLÓGICA DO FILME “NA NATUREZA SELVAGEM” (Into the Wild )


 
DIALÉTICA DO RETROAGIR


       Peter Berger sentencia: “…e pode acontecer, naturalmente, que o homem se afogue nas ondas que ele próprio produziu”. Mas quais foram as ondas que o protagonista da aventura produziu e nas quais ele se afogou, como se o feitiço virasse contra o feiticeiro? Ora, pelo que se ver no filme ele gosta das ondas, e as aproveita muito bem num banho matinal. Brincadeiras a parte, tentemos entender corretamente o que o Peter Berger quer dizer com este “homem”. Uma coisa é o “homem” que produz a onda, outra coisa é o (s) “homem (s)” que institui a onda como algo obrigatório, e outra coisa totalmente diferente é o “homem” que transgride esta “obrigatoriedade da onda”, tratando-a de modo diferente ou simplesmente ignorando-a. Juntar tudo e botar no mesmo balaio é ter uma atitude nada científica.

         Sou contra o excesso de repartições, separações, diferenciações que marcam a formalidade da pesquisa científica para o entendimento dos fenômenos, mas considero indispensável separar grupos de pessoas que compõem as mais variadas sociedades, a saber: CRIADORES, INSTITUCIONADORES, e REINVENTORES. Colocar estes três num mesmo processo ou até na mesma pessoa pode servir para a feitura de uma fábula, mas para entendimento de um fenômeno social é inócuo, é um engano, é reducionista e simplório, visto que a mesma pessoa jamais irá desempenhar as três funções ao longo da sua vida; o fenômeno ocorre ao longo da historia, mas sempre com pessoas diferentes. Não ocorre a dialética do retroagir no filme “Na Natureza Selvagem”, apesar que isto poderia ser usado para melhorar dramaticamente o fraco roteiro. A personagem realiza o seu intento de viver na natureza como um selvagem (até onde se pode conceber, visto que aquela espingarda não tem nada de natural). Até porque, conforme a concepção do Sean Penn ao desenvolver a trama, houve um desfecho positivo, como que uma realização de um sonho. Mesmo a personagem sucumbindo no mundo do qual ele buscou e encontrou, não dá pra considerar isto uma dialética do retroagir. Não sei no livro, mas houve no tratamento da historia do filme um final feliz que foi buscado desde o início pelo protagonista, e efetivado ao final da trama.



ENTIDADES HIPOSTASIADAS


       A historia do filme, a motivação fundamental do protagonista, só ocorre porque ele considera as entidades hipostasiadas meras formalidades que não lhe impressionam – não lhe causam medo nem interesse de possuir, das quais ele as queima (dinheiro), rasga (cartão de crédito), ignora (família) e muda-a (seu próprio nome) sem cerimônias, sem procurar a autorização ou/e a confirmação de outrem, enfim: ele não reproduz a sociedade nos processos de conversação, visto que “o outro” é totalmente dispensável ao seu propósito de vida. Para o protagonista muito mais importante que um carro novo é seu uso como meio de transporte, mais relevante que o status de um diploma de nível superior e a conseqüente vida “segura” de um cidadão bem ajustado socialmente e trajando um figurino (terno e gravata) de um papel social respeitável, está o seu espírito de aventura, e seu desejo de experienciar a natureza selvagem. 


O PROCESSO DE EXTERIORIZAÇÃO


       No seu último relacionamento antes de partir para o Alaska, o protagonista tem um breve embate com um velho, que sentindo-se solitário, pede para o protagonista esquecer seu “sonho maluco” e desempenhar o papel de filho, neto, sobrinho - ou algo do gênero, ao conviver com ele. Por ter seu pedido negado, o velho chora e se recente por não ter conseguido juntar uma “coluna invisível” de seu mundo de outrora, que teve a conversação encerrada com o falecimento de sua esposa.

O PROCESSO DE OBJETIVAÇÃO

       Por não se sentir culpado ao transgredir valores sociais – que pode se resumir na desobediência e não aceitação das expectativas que os pais esperam dele, o protagonista foge do controle social apagando seu rastro documental para que a polícia – ao ser acionada pela família, não o encontre. Ele evita o confronto da força social fundamental (família), mas para juntar dinheiro – em seu propósito de ir ao Alasca, ele se rende às forças sociais TEMPORARIAMENTE, arrumando um emprego.

       Também por não se sentir culpado ao transgredir valores sociais – ou/e por ter o desejo pela aventura maior que o medo da autoridade/repressão, o protagonista desce de caiaque por um rio sem a licença, que só lhe seria outorgada no período de anos. 

       Peter Berger sentencia: “A não ser que ele exista em loucura solipsista, saberá quanto vai dessas fantasias à realidade de sua vida efetiva na sociedade, que lhe prescreve um contexto comumente reconhecido e se lhe impõe sem tomar conhecimento de seus desejos”. Esta objetividade coercitiva da sociedade, seja material ou não-material, da qual o Peter Berger nos tenta mostrar é relativa nos dias atuais, e certamente esta relatividade vem desde a época em que o sujeito escrevera “O Dossel Sagrado” (anos 1980). Diferente do que ocorria antes da sofisticação dos mercados na transformação de comportamentos em associabilidades a produtos e serviços, hoje se alguém quer tomar atitudes individuais, peculiares, diferentes do padrão vigente, este comportamento será cooptado e associado a um bem mercantil, para potencializar as vendas ou agregar valor a uma marca. 

       Os grupos de poder de nossa sociedade da informação (do conhecimento?) não enfrentam o indivíduo ou grupos recalcitrantes, não tem o mínimo interesse de querer “pô-los na linha”. Pois o que lhes interessa são as atitudes e impactos que determinados sujeitos possam a vim causar na arena do embate midiático com concorrentes diretos e indiretos. É claro que existe os países medievais onde a observação do Berger pode até ser aplicada (Irã, Coréia do Norte, Talibã e coisas do gênero em célere processo de extinção), mas o que ocorre de fato nos tempos atuais é que se o sujeito quer viver na selva como um animal, na natureza selvagem, o problema é dele, visto que só irão se importar com isso quando alguém ver a OPORTUNIDADE de tornar aquele fato peculiar de um indivíduo (que está longe de ser inédito), e que ainda teve a “ótima idéia” de anotar tudo ao longo do processo, transformando num livro, ganhar uns “tubos” e depois mais ainda ao vender os direitos para a produção de um filme da indústria audiovisual mais relevante de nosso tempo.


       Por mais que os familiares possam ser contra e que policiais sejam designados para capturar o recalcitrante, a objetivação material ou a não-material ocorre para os perseguidores, mas não para o perseguido – conforme é mostrado segundo a concepção do Sean Penn. Esta idéia fica mais clara quando ouvimos a irmã do protagonista reconhecer ao longo do filme que o irmão estaria a realizar a sua “lenda pessoal”, ou coisa do gênero, e por isso o fato dela ficar triste ou desejar o seu retorno era algo tolo e sem sentido. Depois disso a objetivação da instituição família se esfacelava, mas o roteiro é tão mal construído que mais na frente da historia o diretor coloca o pai do protagonista chorando, meio que perdido no meio de uma estrada, causando no público um sentimento dúbio, visto que a irmã já havia se conformado com a ída sem volta do irmão, da desistitucionalização familiar daquele membro que até pouco tempo “interpretava razoavelmente bem o seu papel social”.  

        
O PROCESSO DE INTERIORIZAÇÃO


       Tendo em vista a declaração de Peter Berger que “o mundo é mantido como realidade subjetiva pela mesma espécie de conversação, seja com os mesmo interlocutores importantes ou com outros novos (cônjuges, amigos…). Se essa conversação é rompida (o cônjuge morre…) o mundo começa a vacilar, a perder a sua plausibilidade subjetiva”. Podemos concluir que no momento que o protagonista do filme se diplomou (formalidade social) e decidiu a partir dali se dedicar a sua aventura, ele iniciou um processo de diminuição da conversação, que se intensificou com a sua chegada ao Alaska e culminou no estabelecimento/fixação no “Magic Bus”. Mas entendendo plausibilidade como linguagem, percebemos que isto ele não perdeu nem mesmo quando estava debilitado fisicamente, pois mesmo doente continuou a escrever e/ou tentar ler.   

       A ação nomizante do protagonista do filme se faz quando ele toma o “Magic Bus” como casa, limpa-o, organiza-o de forma a utilizar seus espaços para repousar utensílios e também se proteger de eventuais “selvagerias” maiores que o frio. 

Obrigado ao professor Eládio Oduber 

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Crítica de “O Instante Decisivo” de Henri Cartier-Bresson


       É interessante perceber que Cartier-Bresson ao mencionar os filmes do cinema considera-o de forma contundente: “eles me ensinaram a ver”. Essa relevância da 7ª arte em sua obra fica evidente, mesmo ele sendo um repórter-fotográfico os seus enquadramentos tem uma dimensão poética, que ultrapassa o mero registro monótono do cotidiano, ou a frivolidade de uma ação típica de paparazzi. 

       Estar alerta para tirar fotos como que um “flagrante delito” demonstra uma atitude real de um artista, que está em sintonia com o universo, percebendo coisas que a amioria das pessoas não enxerga, passando batido, aquilo que muitos poetas notam mas o cidadão comum ignora por ter preocupações cotidianas, e o artista não, ele está “ligado” nestas pequenas coisas da vida, por isso dizem que eles são como loucos, que estão no “mundo da lua”. Infere-se daí a necessidade do artista ter um tipo de suporte para o exercicio de sua profissão, e no caso o Bresson tinha (“uma pequena mensalidade permitia que eu me virasse”).

       Como todo bom francês com razoável acúmulo intelectual (os melhores filmes franceses são aqueles onde há no máximo grunhidos: “A Guerra do Fogo” do Jean Jaques Arnoud) Cartier Bresson passa toda a parte deste texto explanando papagaiasticamente sobre o óbvio: que a fotografia é a estagnação do movimento, pois a foto é um instante da vida, e a vida é ininterrupta, mas foto cria-nos a ilusão que ela parou em algum momento, etc, blá-blá-blá, etc. Prefiro o contrário, no que ocorre no cinema, onde o fluxo das imagens é indispensável para a constituição desta arte, e a partir da imitação da vida neste fluxo imagético se conta historias, reportagens, documentagens… mas nos poupa destas firulas de extrair teorias a partir de algo que no meu entender deveria ser simples e notório. E o pior ocorre quando ele começa a lamúria que permeia a vida de 10 em cada 9 artistas inserido dentro da indústria cultural (comunicação de massa): “… algumas vezes corre-se o risco de se deixar moldar pelos gostos e necessidades da revista.” Parei aqui. Como produtor já ouvi isso trocentas vezes! Chega de mais do mesmo!