No ano de 2002 participei da oficina “Cinema Trash 2”, ministrada pelo jornalista, pesquisador e crítico cinematográfico Sérgio Moriconi. Foram discutidos a História deste suposto gênero cinematográfico, visto muitos filmes que se enquadrariam na seara (“A Volta dos Mortos Vivos”, “Fome Animal”…) e se discutido bastante o motivo daqueles cineastas fazerem aquilo, se era algo proposital ou se era resultado de desleixo estético, má formação profissional, ou a tão proeminente falta de recursos materiais e humanos que tanto assola todos nós. Pois bem: espontaneamente algumas pessoas começaram a cogitar que poderíamos com poucos recursos fazermos filmes semelhantes àquelas “porcarias” que víamos no projetor do Teatro de Bolso do Espaço Cultural da 508 Sul. E mais: poderíamos fazer o filme com uma câmara digital simples que algum aluno de nossa turma nos emprestaria, e tendo como atores as próprias pessoas do curso. E foi o que ocorreu. Dividimo-nos em 3 grupos, cada um apresentou seu roteiro em sala de aula. Eu mesmo fiquei responsável em adaptar um conto popular (ou seria uma lenda urbana?) que nos remetia aquela velha história da mulher misteriosa do cemitério que na verdade era uma alma penada ou algo mais ou menos assim… o título era “Maria Angula”. Gravamos em dois finais de semana – sem dúvida nenhuma os dias mais relevantes para mim naquele modorrento 2002 – e com muita dificuldade conseguimos editar o conteúdo, e colocamos em uma fita cassete VHS.
O grande desalento de toda esta peripécia é constatar que o filme jamais veremos outra vez, visto que a fita se perdeu, principalmente porque na época não havia nenhum YOUTUBE ou outro site do gênero, apesar de já haver internet a algum tempo. Não podendo postar e deixar armazenado nossa obra coletiva, acabamos tendo um pouco aquele sentimento de frustração, que certamente deve ter desanimado muitos de nós, jovens que por ventura gostariam de fazer cinema, e certamente gostariam de ter aquele material, nem que fosse para ser analisado por alguém que levasse em conta mais o potencial do que o resultado final alcançado. Eu mesmo só voltei a filmar 3 anos depois, nesta época até pensei vagamente que nunca mais faria CINEMA.
O incidente que fez o filme – que no caso era uma fita VHS, desaparecer foi muito pitoresco. A fita na qual o conteúdo final fora armazenado após a edição já havia sido usada (sim, levamos até as ultimas conseqüências uma das premissas do gênero: produção tosca e rebuscada, beirando e caindo no mais puro e autêntico desleixo). Um dos atores se prontificou a passar para uma fita virgem o material (será que iria fazer alguma diferença na qualidade de imagem e som este “procedimento tecnológico”?). este ator interpretara o coveiro da produção, e era o responsável pelo fio da narrativa, a única lógica perceptível naquela sucessão de situações irreais, fantasmagóricas e descabidas. Para o nosso infortúnio o ator reclamara que não havia ficado “muito bem”, que tinha tido uma performance sofrível, etc. Ora, este era o espírito da coisa, não havia – pelo menos para mim, nenhum motivo de se sentir menos por está interpretando mal num filme trash, afinal de contas este é um dos pilares do gênero, as interpretações sofríveis estão para o cinema trash assim como as explosões estão para os filmes de ação. Mas para o nosso ator – que na verdade era um pintor, isso deve ter deixado grilado, tanto que a fita chegou as mãos dele, e com ele era desapareceu, para todo o sempre.
É, a vaidade sim é que é trash.